DISCIPLINA DE PÓS-GRADUAÇÃO

FIL 347353

Filosofia & Política

EGOÍSMO ENALTECIDO E MITIGADO EM MANDEVILLE E HUME

Quartas-feiras das 18h30 às 22h30

Docente: Bruno Costa Simões

E-mail:Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo.

Ementa

Bernard Mandeville e David Hume elaboraram uma filosofia política a partir de uma análise social moralmente neutra. Embora não sejam interlocutores diretos, há diversas intersseções em suas obras em que a análise das paixões propõe artifícios políticos nas inclinações humanas tendo em vista a ordem social. Para tanto, exclui-se a determinação de motivos universalmente válidos da ação humana, segundo uma moral prescritiva que, basicamente, censura quando o móbil é o autointeresse e aprova quando se volta à caridade. A sátira em versos, o pensamento livre, o diálogo e outros gêneros adotados por Mandeville salientam paradoxos morais do indivíduo em sociedade (“vícios privados, benefícios públicos”) que afirmam a impossibilidade de uma motivação humana última. Posteriormente, a despeito de Hume estabelecer as “emoções originais” (“generosidade”, “humanidade”, “bondade”) no Livro III do seu Tratado da natureza humana, as virtudes que socialmente importam, a “justiça” e a “polidez”, são instrumentalizadas como artifícios de contratos, propriedades, promessas e obediência a leis. Em vez de reformar a natureza humana e determinar a regra de conduta inscrita na sociedade, a análise desses autores redireciona-a num sentido social, em que as motivações autointeressadas tornam-se fundamentais para o aperfeiçoamento da coletivididade.

 

Objetivos

A hipótese que pretendemos avaliar concerne à ideia de que a análise da natureza humana não tem em vista revelar o tipo certo de motivação moral mas sim possibilitar, procedimentalmente, o estabelecimento de regras de convivência em socieadas complexas.  É o que Mandeville e Hume inauguraram. Se tradicionalmente o autointeresse era característico de uma motivação viciosa e decisivo para a censura daqueles que consideravam a possibilidade de um egoísmo ético, a partir de Mandeville e de Hume o orgulho e a correspondente instituição moral da polidez têm um papel importante na sociedade política. Assim, o curso buscará demonstrar que ambos os autores exploram uma nova forma de se fazer filosofia política, em que o “amor-próprio” (self-love) e a “preferência-por-si” (self-liking) são elementos, propostos por Mandeville, fundamentais da sociabilidade, e graças aos quais Hume poderá formular sua ciência da natureza humana, em que esta é determinada por relações sociais, pela forma como o indivíduo lida com a opinião alheia. Desse modo, a propensão a superestimar-nos, que tem seu correlato na ansiedade em relação à opinião alheia, é pensada a partir de comparações recorrentes com outras pessoas, podendo ser considerada parte constitutiva da história da sociabilidade na medida em que a justiça e a polidez são as instituições morais artificiais feitas para moldar e abrandar os desejos e permitir uma articulação entre o amor-próprio e a preferência-por-si num direcionamento civil. Assim, buscaremos explorar temas como:

  • o caráter irresistível do orgulho e da bajulação;
  • autoestima que inevitavelmente temos acima do nosso real worth;
  • o desejo de aprovação que se manifesta como receio (apprehension) e o assentimento dos outros para confirmar o que pensamos sobre nós mesmos;
  • o aspecto relativo da noção de luxo numa época em que era moralmente condenado;
  • a impossibilidade da abnegação como virtude em pleno período de florescimento econômico.

Avaliação

 

Apresentação de projeto sobre trabalho final (metade do curso - peso 1)

Trabalho final - dissertação (final do semestre – peso 2)

BIBLIOGRAFIA

 

Básica

HUME, David, Tratado da natureza humana, Editora UNESP, 2009.

HUME, David, A arte de escrever ensaio, Iluminuras, 2011.

MANDEVILLE, Bernard, A fábula das abelhas, Editora UNESP, 2018.

MANDEVILLE, Bernard, The Fable of the Bees, Liberty Fund.

 

Complementar

BAIER, Annette, A Progress of Sentiments: Reflections on Hume's 'Treatise', Harvard University Press, 1991.

BAIER, Annette, Death and character: further reflections on Hume, Harvard University Press, 2008.

BRANCHI, Andrea, lntroduzione a Mandeville,  Editori Laterza, Roma-Bari, 2004.

BRANDT, Reinhard, “The beginnings of Hume's philosophy”, in David Hume: bicentenary papers, ed. G. P. Morice, Edinburgh, 1977.

BURTT, Shelley, Virtue transformed: political argument in England 1688-1740 Cambridge, 1992.

CASTILGONE, Dario, “Considering things minutely: reflections on Mandeville and the eighteenth-century science of man”, History of political thought 7, 1986.

CUNNINGHAM, Andrew S., “David Hume's account of luxury”, Journal of the History of Economic Thought, 27:3, 2005.

FORMAN-BARZILAI, Fonna, Adam Smith and the Circles of Sympathy: Cosmopolitanism and Moral Theory, Cambridge University Press, 2010.

FRAZER, Michael L., The Enlightenment of sympathy: justice and the moral sentiments in the eighteenth century and today, Oxford, 2010.

GILL, Michael B., The British Moralists on Human Nature and the Birth of Secular Ethics, Cambridge University Press, 2006.

GOLDSMITH, M. M., “Liberty, virtue, and the rule of law, 1689-1770”, in Republicanism, liberty, and commercial society, 1649-1776, ed. David Wootton, Stanford, 1994.

GOLDSMITH, M. M. Private vices, public benefits: Bernard Mandeville's social and political thought, Rev. Edition, Cybereditions, Christchurch, New Zealand, 2001.

GUNN, J. A. W., “Mandeville: poverty, luxury and the Whig theory of government”, in Beyond liberty and property: The Process of Self-Recognition in Eighteenth-Century Political Thought (Volume 6), Queen's University Press, Montreal, 1983.

HANT, Istvan, 'The early Enlightenment debate on commerce and luxury', in The Cambridge history of eighteenth-century political thought, ed. Mark Goldie and Robert Wokler, Cambridge, 2006.

HARRIS, James, '"A complete chain of reasoning" : Hume's project in A Treatise of human nature, Books 1 and 2', Proceedings of the Aristotelian Society 109, 2009.

HIRSCHMAN, Albert O., The passions and the interests: political arguments for capitalism before its triumph, Princeton Classics, 2013.

HORNE, Thomas A., The Social Thought of Bernard Mandeville: Virtue and Commerce in Early Eighteenth-Century England, Palgrave Macmillan, 1978

HUNDERT, E. J., The Enlightenment's Fable: Bernard Mandeville and the Discovery of Society (Ideas in Context), Cambridge University Press, 1994.

KERKHOF, Bert, “A fatal attraction?: Smith's Theory of moral sentiments and Mandeville's Fable”, History of political thought 16, 1995.

KORSGAARD, Christine, “The general point of view: love and moral approval in Hume's ethics”, Hume studies 25, 1999.

LECALDANO, Eugenio, “Orgoglio e società in Mandeville e Hume”Rivista di filosofia, Fascicolo 3, 2015.

LOTTENBACH, Hans, “'Monkish virtues, artificial lives: on Hume's genealogy of morals”, Canadian journal of philosophy 26, 1996.

PRENDERGAST, R., “Bernard Mandeville and the doctrine of laissez-faire”, Erasmus Journal for Philosophy and Economics, Volume 9, Issue 1, 2016.

SUSATO, Ryu, “Hume’s Nuanced Defense of Luxury”, Hume Studies Volume 32, Number 1, (2006) 167-186.

TAYLOR, Jacqueline, Reflecting Subjects:Passion, Sympathy, and Society in Hume’s Philosophy, Oxford University Press, 2015.

TAYLOR, Jacqueline, “Virtue and the evaluation of character”, in The Blackwell guide to Hume's 'Treatise', ed. Saul Traiger, Oxford, 2006.

TOLONEN, Mikko, Mandeville and Hume: Anatomists of Civil Society, Voltaire Foundation – University of Oxford, 2013.

STILZ, A. B., 'Hume, modern patriotism and commercial society', History of European ideas 29, 2003.

SEIGEL, J., 'Self-centeredness and sociability: Mandeville and Hume', in The Idea of self: thought and experience in Western Europe since the seventeenth century, Cambridge, 2005.

VINER, Jacob, The Long view and the short: studies in economic theory and policy Glencoe, 1958.